sexta-feira, 6 de março de 2009

Aquecimento global - Entrevista com Dr. Carlos Nobre


Integra da Entravista:

1º- O Sr. saberia detalhar o "Plano Nacional de Enfrentamento às Mudanças Climática" anunciado pelo Pres. Lula na abertura da 62ª Assembléia Geral da ONU?
R.: Quando começaram aparecer os relatórios do IPCC na primeira semana de fevereiro com um enorme impacto na mídia mundial, o Pres. Lula determinou à Ministra Marina Silva que o Brasil precisava ter um plano e encarregou o Ministério do Meio Ambiente de articular o começo da construção deste plano o então clamado Plano de Enfrentamento às Mudanças Climáticas que não pode ser visto apenas como um plano ambiental, e eu vou explicar porque. Neste momento a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva criou uma nova secretaria no Ministério do Meio Ambiente chamada Secretaria de Mudanças Climáticas comandada pela Telma Krug também saída dos quadros do INPE, esta secretaria tem uma serie de objetivos e missões, mais o mais importante deles é articular em nível de governo brasileiro, em nível de país, de governo e de estado um plano de política publica para o enfrentamento às mudanças climáticas. O que quer dizer enfrentamento? Enfrentamento quer dizer duas coisas, você enfrenta as mudanças climáticas de duas maneiras. Primeiro: Você deve reduzir a amplitude das mudanças climáticas. Como você faz isto? Reduzindo as emissões, este é o primeiro aspecto fundamental. Agora a ciência das mudanças climáticas já vem deixando bem claro alguns anos e não foi somente no quarto relatório do IPCC no terceiro e no segundo já havia falado que algum grau de mudança climática já se tornou inevitável, e este grau não é pequeno, mesmo que consigamos estabilizar as emissões haverá um aumento de temperatura de pelo menos uns 2 graus ou 2,5 graus até o final do século, então enfrentar as mudanças climáticas como não é mais possível reverter o aquecimento global para os níveis de antes do seu inicio, é também nos adaptarmos, então este plano tem 3 pilares fundamentais. O primeiro pilar é: A mitigação das mudanças climáticas atenuando os seus efeitos através da redução das emissões. O segundo pilar é aumentar a capacidade de adaptação de todo o país ás mudanças climáticas que vão acontecer e que já estão acontecendo. O terceiro pilar foi criado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia é ai onde entra o INPE e os Institutos de Pesquisa que através do Ministério de Ciência e Tecnologia criou uma chamada Rede Brasileiro de Pesquisas em Mudanças Climáticas que foi criada para fomentar o conhecimento sobre mudanças climáticas e produzir as informações cientificas e tecnológicas que o Brasil precisa para enfrentar este desafio e foi também por isto que chamei de terceiro pilar o que abastece os outros dois que são de implementação de políticas publicas, tanto de mitigação quanto de adaptação. E assim que esta arquitetado este plano em 3 pilares o da Mitigação o do Enfrentamento e o do Conhecimento e é lógico que esta ainda no começo e para que este plano esteja finalizado vai levar uns dois anos, e depois tem que virar política publica, precisando conseqüentemente ir ao congresso nacional para ser aprovado como lei de política nacional, mais há de se registrar que é um começo e um avanço já que até a pouco o Brasil não tinha nada neste sentido. O último relatório do IPCC teve um papel importante até mesmo na resposta do governo brasileiro.

2º- Na sua avaliação, quais os resultados do 1º fórum de chefes de Estado sobre aquecimento global, realizado no 62ª Assembléia Geral da ONU?
R.: O fórum foi positivo porque esta acontecendo sob o escopo da ONU que e responsável pela convenção das mudanças climáticas e isto mostra que estes acordos dentro deste tipo de reunião de cúpula tem grandes possibilidades de avançar estando dentro do ambiente da ONU. Havia um temor de que começa-se a buscar soluções fora da convenção do clima e acho que as soluções tem que ser buscadas como um grande acordo dentro da convenção do clima.

3º- No Brasil o principal fator de emissão de CO2 é o desmatamento, com grande parte deste acontecendo na Amazônia. Como o INPE pode ajudar ou tem ajudado a combater o desmatamento da Amazônia e em outras regiões do Brasil?
R.: O INPE faz um trabalho muito importante por ser o principal instituto governamental que faz o monitoramento dos desmatamentos, hoje nós temos um monitoramento que semanal, quinzenal então ele detecta o desmatamento praticamente na hora que ele ocorre, são 30 anos de experiência do INPE nisto com um enorme aporte tecnológico, equipes muito bem treinadas e a partir destas analises e possível ver a tendência do desmatamento, onde e velocidade em que esta ocorrendo, isto tudo e repassado para os órgãos governamentais como IBAMA, estados e ministério publico e estes dados estão se mostrando historicamente principalmente nos últimos anos fundamentais para instrumentalizar os órgãos de controle na questão da redução do desmatamento. Este é um grande papel que o INPE esta desenvolvendo.

4º- Muito se fala sobre as possíveis conseqüências das mudanças climáticas para a Amazônia, e o Pantanal também sofreria grandes alterações?
R.: Existe muito pouco estudo, a comunidade cientifica deveria estudar mais o pantanal, em geral as chuvas não devem modificar muito durante as estações chuvosas nas bacias que alimentam o pantanal e a estação seca pode ficar ainda mais seca, isto aumenta a sazonalidade das chuvas isto significaria que o ciclo de seca e cheias no pantanal teria uma amplitude ainda maior do que já tem e com a temperatura mais alta significa que a evaporação também aumenta naquele enorme corpo de água que na época da cheia tem 140 mil Km2 isto significa conseqüentemente menos água liquida. Mais não existe estudos detalhados sobre isto, o Brasil esta muito atrasado em estudar os impactos das mudanças climáticas.

5º- Podemos chamar o Catarina de furacão?
R.: Um ano e meio depois da ocorrência do Catarina ouve aqui no INPE uma reunião com cientistas brasileiro e estrangeiros especialistas na área e chegaram a conclusão que de fato o Catarina foi um furação e não um ciclone. E o primeiro que se tem registro no atlântico sul.

6º- Com o risco do aumento do nível dos oceanos como ficariam as cidades litorâneas brasileiras?
R.: O Brasil não é o pais mais vulnerável neste sentido comparado aos nossos aproximados 8000 km de costa, o Brasil tem menos de 100 mil km2 abaixo de 10m sendo mais ou menos uns 20 mil km2 abaixo de 5m sendo que a maior parte destas áreas são ainda remotas e se o nível do mar subir 1m os efeitos máximos aconteceram nesta faixa até 5m como a ressaca, problemas de esgotos e etc... O Brasil esta longe de ser um caso como Bangladesh, Vietnã, Holanda por exemplo que tem 60% do seu território abaixo do nível do mar, porém o Brasil tem cidades litorâneas importantes que tem populações pobres vivendo em favelas em beira de rios que tem seu nível elevado quando o nível do mar sobe. Estas populações muitas delas vivendo no Rio de Janeiro, Recife, Santos e São Vicente entre outras vão ter que sair, mais ainda não se fez um estudo mais detalhado de quais são as áreas mais afetadas, este estudo é muito importante porque tem paises do hemisfério norte que já estão mexendo em sua infra-estrutura litorânea, portos, pontes, sistemas de esgoto, enfim tudo. O Brasil ainda não tem estudos neste sentido, mais eu acho que nesta área o tempo perdido vai ser rapidamente recuperado, porque o Brasil tem bolsões em grandes cidades litorâneas de grandes populações, segundo um mapeamento que fizeram no Rio de Janeiro se o nível do mar subir 1m teria que desalojar 200 mil pessoas de uma grande favela muito próxima do nível do mar. São números respeitáveis de pessoas afetadas, porem o Brasil não esta entre os paises mais vulneráveis. Nos próximos 100 anos pelo IPCC o nível do mar subiria entre 30 e 60 cm estimativas mais recentes indicam que a possibilidade de subir até 1 m não é desprezível.

7º- Quais as conseqüência do aquecimento global para o Brasil? O INPE tem um estudo sobre isto? Como este estudo é desenvolvido?
R.: O INPE foi o primeiro órgão brasileiro a fazer este estudo sob cenários futuros das mudanças climática em parceria com Universidade de São Paulo e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e foram desenvolvidos os primeiros cenários do que pode acontecer com o clima no Brasil até o final do século, calcular o que vai acontecer com as temperaturas, chuvas e ventos. O INPE agora tem uma série de parceiros para começar a estudar mais em função dos cenários climáticos futuros quais serão os impactos na agricultura, recursos hídricos, zonas costeiras, saúde, ecossistemas, mega cidades, geração de energia. A idéia é usar cada vez mais estes resultados para entender como as mudanças climáticas vão impactar os diversos setores do país e a sociedade como um todo.

8º- Como ficaria a questão do abastecimento de água nas grandes e medias cidade do Brasil?
R.: Há muita incerteza ainda sobre as chuvas, mais o que já se sabe e que como o planeta mais quente o regime de chuvas vai ficar mais episódico, ou seja choverá menos vezes mais com chuvas mais fortes, pode ser que o total de chuva não diminua ou até aumente, a chuva virá em pancadas mais fortes e isto tem implicações em abastecimento de água, assoreamento, poluição do ar. Agora a grande preocupação é em relação ao semi-árido do nordeste, lá os cenários projetam um clima mais seco com menos água disponível no solo.

9º- Quais as previsões para a agricultura nas diversas regiões do Brasil?
R.: Como ainda há incertezas sobre as chuvas ainda não é possível fazer uma previsão mais apurada, agora o efeito da temperatura já tem sido muito estudado pela EMBRAPA e mostra que a agricultura Brasileira quase toda perde. Até 2 graus de aumento de temperatura a cana-de-açúcar não muda muito a resposta, o milho cai, o trigo cai, soja cai um pouco, no sul do Brasil há uma compensação à soja pode se desenvolver mais, arroz, feijão tem declínio acentuado. No entanto, a EMBRAPA já esta desenvolvendo programas para buscar a adaptação da agricultura brasileira às mudanças climáticas. Em geral mais quente é pior para a agricultura.

10º - Com as mudanças climáticas teríamos agravamento de algumas doenças?
R.: Há varias questões, 1º Existem muitas doenças associadas às ondas de calor que já estão ocorrendo, e aumentando principalmente em crianças e muito idosos. Uma cidade urbana que é muito grande e poluída, a poluição aumenta com o aumento da temperatura, assim todos os malefícios ligados à poluição vão aumentar se não houver o controle da poluição. Chuvas e tempestades ocorrendo de forma episódica significa mais inundações urbanas como os riscos à saúde associados, como transmissão de leptospirose, diminuição da qualidade da água para consumo humano, veiculação hídrica de doenças e expansão da faixa de ocorrência dos vetores de doenças como a dengue e malaria diretamente proporcional ao aumento das temperaturas.

11º- O que o Sr. acho da última reunião do IPCC em Bali? R.: A minha expectativa é positiva, no entanto, não estou esperando nenhuma revolução, acredito que será um salto incremental, pelo fato de começar-se falar seriamente sobre um documento pós 2012, pós Kyoto, como serão os mecanismos de manutenção e expansão das metas, qual a participação dos paises em desenvolvimento. Nesta reunião que ocorrerá em dezembro deste ano tem muitas questões importantes que precisão ser conversadas e algumas resoluções tem que ser tomadas agora em 2007, se nós quisermos que elas estejam em ponto de implementação em 2009, precisamos de alguns anos para que não haja solução de continuidade entre o fim do protocolo de kyoto e este novo.

12º- O Sr. Tem alguma previsão sobre os níveis de redução de CO2 que os paises estariam dispostos se comprometer?
R.: A Europa já fez um compromisso voluntário de reduzir em 20% as emissões de toda a União Européia em relação de 1990 até 2020 se os EUA concordar eles reduzem até 30%. Eu creio que não se vai bater o martelo agora em Bali sobre o volume esperado de reduções, mais eu acho que não será menos que 20% em relação a 1990 e ai sim os EUA terão que entrar, não que os EUA assinaram agora em 2007 mais nos próximos 2 anos terá que acontecer.

13º- O Sr. diria que a Reunião de Bali esta amarrado com as eleições nos EUA?
R.: Acredito que sim, como tantos outros assuntos mundiais estão, mais eu não sou a pessoa mais indicada para responder isto. Não sou diplomata.

14º- Na reunião de Bali, seria atribuído cotas para os paises em desenvolvimento?
R.: Não se pensa em cotas para paises em desenvolvimento. Nenhum país em desenvolvimento vai aceitar cotas antes que os EUA reduzam em muito suas emissões. Não tem cabimento paises em desenvolvimento assumindo cotas e os EUA não. Eu não vejo possibilidade nenhuma de alguma negociação neste sentido prosperar antes que os EUA assumam metas significativas não pode ser algo apenas simbólico e isto sob o escopo da ONU, não acredito em acordos em paralelo.

15º- Finalmente, quais as suas conclusões do que a humanidade já avançou sobre a questão e quais as suas perspectivas futuras?

R.: A ciência avançou muito, e pode com muita confiança dizer que este aquecimento global esta sendo ocasionado pela humanidade. A premiação com o Nobel da Paz ao IPCC e ao Al Gore mostra que este assunto veio para ficar e não sai mais da pauta. Eu penso que, ainda que as nações a nível de indivíduos e empresas ainda estejam muito mais retóricas do que praticas, nos próximos 5 anos haverá uma transformação muito grande na sociedade como produtos mais sustentáveis, maior eficiência no uso de energia, se tornaram praticas comuns estabelecidas principalmente nos paises desenvolvidos e na seqüência também nos paises em desenvolvimento. Não há como fugir. Agora o próximo passo da ciência é tentar descobrir o qual próximos estamos de um ponto critico, de um ponto em que não haveria mais retorno, como por exemplo um derretimento substancial das geleiras da Groelândia que aumentaria o nível do mar em vários metros. A ciência tem que avançar e nos dizer isto com a maior antecedência possível se a temperatura passar de um certo nível se isto vai acontecer e quando. Isto ainda não temos, portanto é muito importante que a ciência avance muito nesta direção nos próximos anos, pois à medida que a ciência tem informações mais concretas sobre o futuro maiores são as decisões sobre as reduções das emissões.


FONTE: http://www.aquecimentoglobal.com.br/carlosnobre2.htm

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